terça-feira, 19 de abril de 2011

A volta da madeira de lei

Um projeto inédito poderá devolver ao mercado espécies nobres da Mata Atlântica, comercialmente extintas. E ajudar a reconstruir nossas florestas

Ao lado
RARIDADE 
Jayme Vargas e a cadeira de Tenreiro. Dos cinco tipos de madeira usados na peça, três só são encontrados em demolições


A Cadeira de Três Pés da foto ao lado é uma obra de arte. Foi comprada pelo colecionador Jayme Vargas, dono de um acervo com mais de 70 móveis de design em São Paulo. Ele diz que foi um namoro de cinco anos, mas não revela o preço. “A qualidade estética dessas peças me encanta”, diz. Estima-se que existam apenas dez unidades dessa cadeira. Poucas à venda. É um dos ícones do design brasileiro. Foi criada pelo marceneiro Joaquim Tenreiro, considerado o inventor dos móveis modernos no Brasil. Ele criou, nas décadas de 50 e 60, um estilo que marcou o país, equipando o interior dos prédios desenhados por Oscar Niemeyer.
Além do talento pessoal, Tenreiro, que morreu em 1992, também contava com outro recurso natural: belas madeiras brasileiras. A Cadeira de Três Pés é uma de suas grandes criações. Sua marca são as tiras unidas sem encaixe ou prego, feitas em cinco tipos de madeira maciça: mogno, imbuia, pau-marfim, jacarandá e roxinho. Se fosse feita hoje, a peça seria diferente. Pelo menos três das cinco espécies não estão disponíveis. A causa está na floresta. Ou na falta dela. As árvores que deram vida à peça de Tenreiro foram cortadas indiscriminadamente na Mata Atlântica. Agora que só restam 7% da floresta, as espécies sumiram. As madeiras de lei que Tenreiro e outros designers de móveis usavam no Brasil se extinguiram. Espécies como peroba-rosa, pau-marfim, jatobá, jequitibá e ipê-roxo, hoje, só são encontradas em demolição.
“Se quisermos ter madeira nativa de novo, vamos ter de plantar floresta”, afirma Ricardo Ribeiro Rodrigues, professor de ciências biológicas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo. Foi o que os pesquisadores começaram a fazer, com pequenos agricultores de Extrema, cidade na divisa entre Minas Gerais e São Paulo. Num projeto inédito apoiado pela prefeitura e financiado pela organização ambiental The Nature Conservancy, os lavradores vão reconstruir trechos devastados da Mata Atlântica. Se der certo, entre 20 e 30 anos os brasileiros poderão voltar a comprar móveis de “madeiras de lei”.
Os cientistas conseguiram aprimorar a técnica necessária para recompor uma floresta nativa. O plano de plantio prevê a mistura de 80 espécies. É preciso respeitar o espaço que cada árvore vai precisar quando adulta. Observar como o sombreamento de uma interfere na outra. É um quebra-cabeça. Os agricultores não estão no projeto por bom-mocismo. Em troca, podem explorar a nova mata comercialmente. “Como não temos mais Mata Atlântica para manejar, vamos recriar uma floresta que já não existia”, diz Paulo Pereira, do Departamento de Meio Ambiente de Extrema.
Enquanto as árvores nobres não ficam maduras para ser cortadas, os agricultores podem ganhar com os subprodutos da floresta. Espécies menos nobres já dão madeira em dez anos. Algumas plantas nativas são princípios da indústria farmacêutica. Outras entram em cremes e sabonetes nas fábricas de cosméticos. Os benefícios ultrapassam o âmbito da decoração. A reconstrução da Mata Atlântica garante a manutenção da biodiversidade e de serviços prestados pela floresta. A água doce e limpa que sai das torneiras de mais de 122 milhões de brasileiros nasce em seus mananciais. Boa parte da polinização da agricultura depende dos insetos dali.
O agricultor Elias Alves Cardoso, de 50 anos, foi um dos primeiros a aceitar o desafio. Ele já é parceiro da prefeitura de Extrema no projeto Conservador das Águas. Todo mês, recebe uma quantia em dinheiro para deixar intactas as nascentes em sua propriedade de 18 hectares (o equivalente a 18 campos de futebol). Ganha R$ 176 ao ano por hectare protegido. Em contrapartida, deixa de colocar ali o gado que lhe traria um lucro anual de cerca de R$ 120. Agora, Cardoso vai ampliar suas terras verdes para, daqui a uma década, começar a vender madeira. “É um dinheirinho a mais para deixar para os netos”, diz. “Uma poupancinha, porque a gente já está de idade.”
Com o incremento da vegetação, Cardoso deve cumprir a legislação ambiental. O Código Florestal determina que as propriedades agrícolas da Mata Atlântica mantenham 20% da área com floresta nativa. Não significa deixar de usar aquele naco de terra. A lei permite que se retire dali algumas árvores, mas com cuidados que garantam a sobrevivência futura da mata. Estima-se que menos de 10% dos imóveis rurais brasileiros tenham hoje essa reserva legal. Principalmente porque há uma impressão de que floresta não dá dinheiro. O projeto de Extrema pode ajudar a mudar essa percepção.



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